quarta-feira, 1 de maio de 2013

Código de Processo Civil anotado Artigo 10.º

Artigo 10.º

(Incapazes)

1. Os incapazes só podem estar em juízo por intermédio dos seus representantes, ou autorizados pelo seu curador, excepto quanto aos actos que possam exercer pessoal e livremente.
2. Havendo necessidade de curador especial, a nomeação dele compete ao juiz da causa.
3. A nomeação do curador especial deve ser promovida pelo Ministério Público e pode ser requerida por qualquer parente até ao sexto grau, quando o incapaz tenha de ser autor; quando haja de figurar como réu, será requerido pelo autor.
4. O Ministério Público é ouvido, sempre que não seja o requerente da nomeação.


1. Nos termos do C. Civil, são incapazes os menores de vinte e um anos (artigos 122.º e segs.), os interditos (artigos 138.º e segs.) e os inabilitados (artigos 153.º e segs.).

2. Gozando de personalidade judiciária, mas não podendo estar por si mesmas em juízo, as pessoas destituídas de capacidade judiciária reclamam que seja suprida a sua incapacidade. O suprimento é garantido através do representante legal ou do curador, que deverá agir no processo em nome do incapaz, de acordo com as prescrições do direito civil.

A representação legal do menor cabe aos progenitores (artigos 124.º do C. Civil e 284.º, n.º 2 da LF), ao tutor (artigos 124.º do C. Civil e 341.º da LF) ou ao administrador de bens (artigo 378.º da LF). A representação legal do interdito incumbe ao tutor (artigo 139.º do C. Civil). Relativamente ao inabilitado, se houver representação legal quanto à administração do seu património, incumbe ao curador a referida representação (artigo 154.º, n.º 1 do C. Civil).

3. A falta do pressuposto processual de capacidade judiciária tem as consequências indicadas na anotação 5 do artigo 9.º, constituindo uma excepção dilatória (artigo 494.º, n.º 1, alínea c)).

Código de Processo Civil anotado Artigo 9.º

Artigo 9.º


(Conceito e medida da capacidade judiciária)
1. A capacidade judiciária consiste na susceptibilidade de estar, por si, em juízo.
2. A capacidade judiciária tem por base e por medida a capacidade do exercício de direitos.


1. A capacidade jurídica é definida no artigo 67.º do C. Civil.

2. A capacidade judiciária representa um conceito quantitativo de direitos de natureza processual e traduz a susceptibilidade de a parte estar pessoal e livremente em juízo ou de se fazer representar por representante voluntário. Assim, não possuem capacidade judiciária quer os que podem intervir pessoal, mas não livremente (os inabilitados), quer os que não podem actuar nem pessoal, nem livremente (os menores e os interditos).

3. A capacidade judiciária é aferida pela capacidade de exercício para a produção dos efeitos decorrentes da acção pendente. O que releva para essa aferição é a capacidade de exercício quanto a esses efeitos e não quanto à prática do acto que constitui ou integra o objecto do processo.

Exceptuam-se do âmbito da incapacidade judiciária os actos que o incapaz pode excepcionalmente praticar pessoal e livremente (artigo 10.º, n.º 1).

4. A capacidade judiciária dos estrangeiros e apátridas (que depende da sua capacidade de exercício, artigo 9.º, n.º 2) determina-se pela sua lei pessoal (artigo 25.º do C. Civil). Essa lei é a da sua nacionalidade (artigo 31.º, n.º 1 do C. Civil) ou, no caso dos apátridas, a do lugar onde tiverem a residência habitual ou, na hipótese da sua menoridade ou interdição, a do domicílio legal (artigo 32.º, n.º 1 do C. Civil).

5. Se a falta de capacidade, seja do autor, seja do réu, for manifesta em face do texto da petição inicial, deve esta ser liminarmente indeferida (artigo 474.º, n.º 1, alínea b)). Se só mais tarde for apurada, deve absolver-se o réu da instância no despacho saneador (artigo 510.º, n.º 1, alínea a)) ou na sentença final (artigo 660.º, n.º 1), abstendo-se o juiz de se pronunciar sobre o mérito da acção. Em qualquer dos casos, a falta de capacidade judiciária é um vício que pode ser sanado (artigos 23.º, 24.º e 494.º, n.º 2), quer antes de ser proferido despacho de indeferimento liminar e bem assim em fase ulterior do processo antes da absolvição da instância. O juiz sempre deve, por uma vez, oficiosamente ou a requerimento, notificar o faltoso para sanar o vício, o que será conseguido através da intervenção ou citação do representante legítimo.

6. Jurisprudência:
- Um departamento integrado no quadro da Administração Pública carece de capacidade judiciária, ou seja, é insusceptível de estar por si só em juízo (Ac. de 20.02.2002 da Ap. 57/02).

Código de Processo Civil anotado Artigo 8.º

Artigo 8.º


(Personalidade judiciária das pessoas colectivas e sociedades irregulares)

1. A pessoa colectiva ou a sociedade que não se ache legal ou regularmente constituída, mas que proceda de facto como se estivesse, não pode opor, quando demandada, a irregularidade da sua constituição; mas a acção pode ser proposta só contra ela, ou só contra as pessoas que, segundo a lei, tenham responsabilidade pelo facto que serve de fundamento à demanda, ou simultaneamente contra a pessoa colectiva ou a sociedade e as pessoas responsáveis.(*)
2. Sendo demandada a pessoa colectiva ou sociedade, é-lhe lícito deduzir reconvenção.

1. Dizem-se irregulares as pessoas colectivas ou sociedades que, por não se terem constituído nos termos formais prescritos na lei, não se lhes atribui em concomitância personalidade jurídica. Apesar de se estender para elas a personalidade judiciária, a norma não lhes confere personalidade judiciária activa, salvo para deduzirem reconvenção. Ainda se lhes retira a faculdade de, sendo demandadas, arguírem a irregularidade da sua constituição, no que traduziria um caso clássico de abuso de direito: na modalidade do venire contra factum proprium (Antunes Varela et al, Manual de Processo Civil, op. cit., pp. 114-115 e Abílio Neto, Código de Processo Civil, op. cit., p. 51).

2. Jurisprudência:

- A pessoa colectiva ou sociedade que não se ache legalmente constituída, mas que proceda de facto como se estivesse, não pode opor, quando demandada, a irregularidade da sua constituição, de acordo com o artigo 8.º do CPC (Ac. de 12.08.1997 da Ap. 206/93).

- A acção pode ser proposta contra a sociedade irregular ou só contra as pessoas que, segundo a lei, tenham responsabilidade pelo facto que serve de fundamento à demanda bastando apenas que uma delas seja citada, de acordo com as disposições combinadas do artigo 8.º e 233.º, n.º 2, ambos do CPC (Ac. de 12.08.1997 da Ap. 206/93).

Código de Processo Civil anotado Artigo 7.º


Artigo 7.º

(Personalidade judiciária das sucursais)

1. As sucursais, agências, filiais, delegações ou representações podem demandar ou ser demandadas quando a acção proceda de facto por elas praticado.(*)

2. Se a administração principal tiver sede ou domicílio em país estrangeiro, as sucursais, agências, filiais, delegações ou representações estabelecidas em Moçambique podem demandar e ser demandadas, ainda que a acção derive de facto praticado por aquela, quando a obrigação tenha sido contraída com um moçambicano ou com um estrangeiro domiciliado em Moçambique.(*)

1. O princípio é que as sucursais, agências, filiais, delegações ou representações da pessoa colectiva ou sociedade, como meros órgãos de administração local que são, dentro da estrutura da sociedade ou pessoa colectiva, não gozam de personalidade jurídica. Não constituem sujeitos autónomos de direitos e obrigações. No entanto, assente no critério da afectação do acto, é-lhes reconhecida personalidade judiciária relativamente a actos que por elas tenham sido praticados. Por outras palavras quer dizer: quem praticou o acto pode igualmente estar em juízo quanto à acção que o tenha por objecto ou fundamento.

2. É assertivo Antunes Varela et al, Manual de Processo Civil, op. cit., p. 112, quando expende que “se a acção nascer de facto praticado pela sucursal nada impede, entretanto, que a sociedade ou a pessoa colectiva tome a iniciativa de ser ela, através da sua administração principal, a propor a acção, visto ser a sociedade ou a pessoa colectiva o verdadeiro sujeito da relação jurídica. Porém, se a acção for proposta contra a sucursal, por nascer de facto por ela praticado, já a sociedade ou pessoa colectiva não poderá arguir, na defesa, a falta de personalidade judiciária da demandada, conquanto também nada impeça que a esta se substitua daí em diante. Ter a sucursal ou a agência personalidade judiciária significa apenas, por conseguinte, ter ela poder de representar em juízo a sociedade ou a pessoa colectiva, por força da lei, enquanto a sociedade ou pessoa colectiva se lhe não substituir na acção”. No mesmo sentido, vid. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, op. cit., pp. 136-139 e Tomás Timbane, Lições de Processo Civil, op. cit., pp. 200-201.

3. As missões diplomáticas permanentes, nomeadamente as embaixadas, detêm funções de representação de um Estado estrangeiro acreditado noutro país, muito embora não sejam dotadas de autonomia jurídica em relação ao estado acreditado, pelo que se traduzem em entidades representativas do respectivo Estado soberano, pelo menos para os efeitos do dispositivo anotando.

De acordo com um princípio basilar do direito internacional público consuetudinário, os Estados soberanos gozam, nas suas relações recíprocas, de imunidade de jurisdição. A doutrina estrangeira tem vindo a acolher a tese da imunidade restrita, fazendo a distinção entre actos de jus imperii e actos de jus gestionis, de forma a confinar a imunidade de jurisdição àqueles actos, para o que importa traçar a linha de diferenciação entre actos de império e actos de gestão. Entende-se que o domínio da imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros não abrange os actos por eles praticados tal como o poderiam ter sido por um particular, mas apenas os que manifestam a sua soberania. Assim é que, por exemplo, um contrato de prestação de serviços, de trabalho ou de outra natureza que, embora visando a prossecução de um interesse público do respectivo Estado, não é celebrado no âmbito das suas prerrogativas soberanas, mas tão só no âmbito da sua capacidade civil, cai no âmbito de actividade de gestão privada, pelo que os litígios deles emergentes não se inscrevem no âmbito da imunidade do Estado (Castro Mendes, Direito Processual Civil, Vol. II, AAFDL, Lisboa, 1987, pp. 31 e segs. e Isabelle Pingel-Lenuzza, Les Immunités des États en Droit International, Editions Bruylant, Bruxelles, 1997, pp. 355-356).

A reforçar este entendimento, convém citar o artigo 31.º, alínea c) da Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas, ratificada por Moçambique pela Resolução n.º 4/81, de 2 de Setembro, que, reflectindo, de algum modo, normas costumeiras do direito internacional público, ressalva da imunidade de jurisdição civil, quanto aos agentes diplomáticos, as acções referentes a qualquer actividade profissional ou comercial exercida pelo agente diplomático no Estado acreditado fora das suas funções oficiais. Em sentido semelhante, vid. Secção 18.º, alínea a) da Convenção das Nações Unidas sobre Privilégios e Imunidades, ratificada pela Resolução n.º 21/2000, de 19 de Setembro; Secção 22.º da Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Agências Especializadas das Nações Unidas, ratificada pela Resolução n.º 29/2011, de 22 de Junho; artigos 5.º, n.º 4, 6.º, n.º 4 e 7.º, n.º 2, todos da Convenção Geral sobre Privilégios e Imunidades da União Africana, ratificada pela Resolução n.º 16/2003, de 20 de Maio; artigo 4.º do Protocolo Adicional à Convenção Geral da União Africana sobre Privilégios e Imunidades, ratificado pela Resolução n.º 17/2003, de 20 de Maio; artigos 7.º, n.º 4, 8.º, n.º 4 e 9.º, n.º 2, todos do Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos, no âmbito da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, ratificado pela Resolução n.º 38/2008, de 15 de Outubro; e artigo 15.º do Acordo sobre Privilégios e Imunidades da Agência Internacional da Energia Atómica, ratificado pela Resolução n.º 27/2011, de 13 de Junho.

3. Jurisprudência:

- Tendo em conta que a presente acção deriva de um contrato de prestação de serviços celebrado entre o Programa Mundial da Alimentação e um particular, não obstante a adesão de Moçambique à Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas e à Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, mostra-se destituída de qualquer fundamento legal a alegada imunidade de jurisdição invocada pelo recorrido e a requerida intervenção do Ministério dos Negócios Estrangeiros (Ac. de 19.06.2008 do Ag. 62/06).

Códido de Processo Civil anotado Artigo 6.º

Artigo 6.º


(Extensão da personalidade judiciária)

A herança cujo titular ainda não esteja determinado e os patrimónios autónomos semelhantes, mesmo que destituídos de personalidade jurídica, têm personalidade judiciária.

1. Por um critério de diferenciação patrimonial, a personalidade judiciária é estendida à herança quando aberta, mas ainda não aceita, nem declarada vaga para o Estado e aos patrimónios autónomos semelhantes, mesmo que destituídos de personalidade jurídica.

2. O instituto de herança jacente visa acautelar os inconvenientes da indefinição do titular das relações jurídicas de que o de cuios era sujeito activo ou passivo. A herança jacente é, por assim dizer, um património sem titular determinado, na sequência da morte do último titular. Só passará a ser determinado quando os sucessíveis declararem aceitar a herança, ou, quando todos os possíveis sucessores a repudiarem e for deferida ao Estado, que então passará a ser o titular. Nesta óptica, poderá haver um só herdeiro ou sucessor que aceite a herança e a questão da titularidade fica resolvida. Sendo vários os chamados à sucessão, a questão da titularidade só ficará resolvida quando todos responderem à vocação, aceitando ou a repudiando.

3. Não basta que um só se apresente ou responda positivamente a uma só notificação nos termos do artigo 2049.º do C. Civil. O próprio preceito é explícito no sentido de percorrerem todos os sucessíveis até se obter a certeza sobre quem assume a titularidade da herança.

4. Na verdade, tal como elucida Antunes Varela et al, Manual de Processo Civil, op. cit., p. 111, a herança jacente (artigos 2046.º e segs. do C. Civil), embora desprovida de personalidade jurídica, pode propor acções em juízo (de reivindicação, confessórias de servidão, de cobrança de dívidas, etc.), sendo a herança a verdadeira parte na acção e não o sucessível chamado que aja em nome dela.

5. O mesmo princípio aplica-se aos patrimónios autónomos semelhantes que representam o acervo de bens, ou massas unificadas de bens, cuja titularidade seja incerta (doações ou deixas testamentárias a nascituros, concebidos ou não concebidos: artigos 952.º, 2033.º, alínea a) e 2240.º do C. Civil) ou que pertençam a um conjunto de pessoas, ao qual não seja reconhecida personalidade jurídica (fundos de pensões: artigo 10.º, n.º 1 do Decreto n.º 25/2009, de 17 de Agosto, que aprova o Regulamento de Constituição e Gestão de Fundos de Pensões no âmbito da Segurança Social Complementar); sociedades civis: artigo 996.º do C. Civil; associações sem personalidade jurídica: artigo 198.º, n.º 3 do C. Civil; comissões especiais para a realização de certos interesses colectivos de carácter difuso: artigo 199.º do C. Civil; condóminos na propriedade horizontal: artigos 1433.º, n.º 4 e 1437.º, n.º 1, ambos do C. Civil.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Código de Processo Civil anotado artigo 5.º

Artigo 5.º


(Conceito e medida da personalidade judiciária)

1. A personalidade judiciária consiste na susceptibilidade de ser parte.

2. Quem tiver personalidade jurídica tem igualmente personalidade judiciária.


1. A personalidade judiciária enquanto susceptibilidade de ser parte processual é concedida a todas as pessoas jurídicas, sejam maiores ou menores, capazes ou incapazes, nacionais ou estrangeiras, singulares ou colectivas que tiverem personalidade jurídica. Assim, todo o ente juridicamente personalizado tem igualmente personalidade judiciária, activa ou passiva, embora a asserção contrária não seja verdadeira, conforme depreende-se dos artigos 6.º e 8.º

2. Relativamente às pessoas singulares, estas adquirem a personalidade jurídica com o nascimento completo e com vida (artigo 66.º do C. Civil).

As pessoas colectivas adquirem a personalidade jurídica pelo reconhecimento (artigos 158.º do C. Civil e 4.º da Lei n.º 8/91, de 18 de Julho (Lei das Associações)).

As associações de empregadores e sindicais adquirem a personalidade jurídica através do registo dos seus estatutos na Inspecção Geral do Trabalho (artigos 12.º da Lei n.º 23/91, de 31 de Dezembro, e 8.º da Lei n.º 27/91, de 31 de Dezembro).

As sociedades comerciais e as cooperativas adquirem a personalidade jurídica a partir da data dos respectivos actos constitutivos, conforme, respectivamente, o artigo 86.º do C. Comercial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 2/2005, de 27 de Dezembro e artigo 10.º da Lei Geral sobre as Cooperativas, aprovada pela Lei n.º 23/2009, de 28 de Setembro.

3. Para os estrangeiros, há que considerar o artigo 26.º, n.º 1 do C. Civil, segundo o qual o início e o termo da personalidade jurídica são fixados pela lei pessoal de cada indivíduo, que é a lei da sua nacionalidade (artigo 31.º, n.º 1 do C. Civil) ou, se o indivíduo for apátrida, a lei do lugar onde tiver a sua residência habitual ou, se for menor ou interdito, o seu domicílio legal (artigo 32.º, n.º 1 do C. Civil). Quanto às pessoas colectivas (excepto sociedades comerciais), a sua lei pessoal é a do Estado onde se encontra situada a sede principal e efectiva da sua administração (artigo 33.º, n.º 1 do C. Civil) ou, se for uma pessoa colectiva internacional, a designada na convenção que a criou ou nos respectivos estatutos ou, na sua falta, a do país onde estiver a sede principal (artigo 34.º do C. Civil). As sociedades comerciais que não tenham a sede principal ou administração efectiva em território nacional, mas pretendam exercer neste as suas actividades por mais de um ano, devem instituir uma representação permanente e cumprir com as disposições da lei moçambicana sobre o registo comercial (artigo 85.º, n.º 1 do C. Comercial).

4. A falta de personalidade judiciária, seja por banda do autor, seja do réu, determina que o juiz deva abster-se de conhecer do pedido e absolva o réu da instância (artigo 288.º, n.º 1, alínea c)). Se a carência da personalidade for apurada a partir da simples leitura da petição inicial, deve a petição ser liminarmente indeferida (artigo 474.º, n.º 1, alínea b)). De contrário, se a falta for alegada ou conhecida depois dos articulados, é no despacho saneador (artigo 510.º, n.º 1, alínea a)) ou na sentença final (artigo 660.º, n.º 1) que a absolvição da instância será decretada. Em qualquer dos casos, a falta de personalidade judiciária é um vício que pode ser sanado (artigo 494.º, n.º 2), quer antes de ser proferido despacho de indeferimento liminar, bem assim antes da absolvição da instância. O juiz deve sempre, por uma vez, oficiosamente ou a requerimento, notificar o faltoso para proceder à regularização do vício, o que será alcançado através da intervenção de pessoa com personalidade ou suprimento por via da pessoa colectiva ou da sociedade.

5. Jurisprudência:

- A presente acção foi movida contra uma Direcção Provincial, tendo o tribunal a quo procedido à notificação daquela, na pessoa do respectivo director. Porém, uma Direcção Provincial não está dotada de personalidade jurídica (Ac. de 26.12.2002 da Ap. 75/96).

- As viaturas ao serviço da Presidência da República pertencem ao Estado e não à Presidência da República, que não tem personalidade jurídica própria. Como tal estão sujeitas ao Regulamento Geral de Utilização das Viaturas do Estado, aprovado pelo Decreto n.º 2/83, de 29 de Junho (Ac. de 02.07.2008 do Ag. 26/06).



Código de Processo Civil anotado artigo 4.º


Artigo 4.º

(Espécies de acções, consoante o seu fim)

1. As acções são declarativas ou executivas.

2. As acções declarativas podem ser de simples apreciação, de condenação ou constitutivas. Têm por fim:

a) as de simples apreciação, obter unicamente a declaração da existência ou inexistência dum direito ou dum facto;

b) as de condenação, exigir a prestação duma coisa ou dum facto, pressupondo ou prevendo a violação dum direito;

c) as constitutivas, autorizar uma mudança na ordem jurídica existente.

3. Dizem-se acções executivas aquelas em que o autor requer as providências adequadas à reparação efectiva do direito violado.



1. A acção é por excelência o instrumento de acesso à jurisdição e cabe-lhe, no final do processo, possibilitar a efectivação da pretensão e a composição da controvérsia.

Para que o tribunal se pronuncie sobre dada pretensão tem de ser provocado (artigo 3.º, n.º 1, 1ª parte). Não pode o juiz, sentindo-se escandalizado com certo facto da vida, tomar a iniciativa de decidir sem que a acção lhe tenha sido submetida. E a provocação do juízo deve verificar-se de forma precisa, evidenciando se foi pedida a condenação, a declaração ou a constituição do facto ou do direito, e que teor deve ter. Isto é importante por causa da vinculação do tribunal ao pedido e por causa da extensão do caso julgado. Assim, Othmar Jauernig, Direito Processual Civil, Trad. F. Oliveira Ramos, Almedina, Coimbra, 2002, p. 223.

2. Relativamente ao fim prosseguido pelo autor no processo, há duas grandes categorias de acções: as declarativas e as executivas. As primeiras destinam-se a obter a declaração, pelo órgão judiciário, da solução concreta decorrente da ordem jurídica para a situação real que serve de base à pretensão deduzida pelo autor ou requerente. As acções executivas, por seu turno, visam a realização coerciva, pelos meios de que os tribunais dispõem para o efeito, das providências destinadas à efectiva reparação do direito violado (João Alves et al, Direito Civil e Processual Civil, Tomo II, INA/CEJ, Lisboa, 2007, pp. 125-126).

3. Dentro da vasta categoria das acções declarativas, de acordo com a natureza da decisão requerida do órgão judiciário, cabem três diferentes tipos de acções, designadamente as acções de condenação, as acções constitutivas e as acções de simples apreciação.

Nas acções de condenação, arrogando-se o autor a titularidade de um direito que afirma estar a ser violado pelo réu, pede ao tribunal que declare a existência e a violação do direito e se determine ao réu a realização da prestação destinada a reintegrar o direito violado ou a reparar de outro modo a falta cometida. A estas acções pode corresponder qualquer forma de processo declaratório comum (ordinário ou sumário), de processo especial ou de processo de jurisdição voluntária.

Nas acções constitutivas, o autor não peticiona a condenação do réu no cumprimento de uma obrigação, nem reage contra uma situação de incerteza ou insegurança jurídica; pretende antes obter um efeito jurídico novo. Estas acções são, na maioria dos casos, o instrumento processual adequado ao exercício de certos direitos potestativos (aqueles cujo objecto depende de um simples acto unilateral do respectivo titular). Com estas acções, o efeito jurídico pretendido pelo autor irá traduzir-se na criação, modificação ou extinção de uma relação jurídica.

As acções de simples apreciação (declaratory judgments) visam obter em juízo a declaração de existência (apreciação positiva) ou inexistência (apreciação negativa) de um facto ou direito. O facto cuja existência ou inexistência se pretende seja declarado tem de ser, obviamente, um facto jurídico, ou seja um facto juridicamente relevante, não um facto neutral ou ajurídico. Nestas acções o autor não exige do réu prestação alguma, porque não é a ele imputada falta no cumprimento de uma obrigação. O autor visa tão-somente pôr termo a uma incerteza jurídica que o prejudica.

Nas acções de simples apreciação negativa verifica-se a inversão do ónus da prova (artigo 343.º, n.º 1 do C. Civil). Em regra, nos termos do n.º 1 do artigo 342.º do C. Civil, quem invoca um direito tem o ónus de alegação e prova dos factos constitutivos desse direito, não sendo isso que sucede nestas acções – incumbe ao réu, que arroga a existência desse direito, alegar e provar a sua existência. Este critério especial do onus probandi assenta na ideia de que é mais fácil ao réu provar a existência de um direito ou de um facto contestado pelo autor, visto que impor a este a prova da inexistência do direito ou do facto em questão seria forçá-lo a uma prova impossível ou muito difícil.

Para mais desenvolvimento, vid. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 1982, p. 19; Antunes Varela et al, Manual de Processo Civil, op. cit., pp. 16-22; Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. I, Almedina, Coimbra, 1981, p. 117 e Tomás Timbane, Lições de Processo Civil, op. cit., pp. 147 e segs.

4. As acções executivas são aquelas em que invocando a falta de cumprimento de uma obrigação constante de documento revestido de especial força probatória (título executivo), o autor (exequente) requer a efectiva reintegração do seu direito ou a aplicação das sanções correspondentes à sua violação. Destinam-se à realização coerciva do direito invocado pelo requerente. Quanto à natureza da obrigação em crise, a execução pode ser para pagamento de quantia certa (artigos 811.º e segs.), entrega de coisa certa (artigos 928.º e segs.) ou para prestação de facto (artigos 933.º e segs.).

Código de Processo Civil anotado artigo 3.º


Artigo 3.º

(Necessidade do pedido e da contradição)

1. O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.

2. Só nos casos excepcionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.



1. A regra do n.º 1, 1ª parte, consagra o princípio da inércia da jurisdição, segundo o qual o juiz não pode instaurar o processo por sua própria iniciativa. Também chamado de princípio da iniciativa de parte ou princípio dispositivo, faz depender da provocação do interessado o nascimento do processo.

Com efeito, o princípio determina que é o particular a ter o ónus da iniciativa processual, a conformar o objecto do processo através da formulação do pedido concreto que se pretende ver apreciado, alegando a matéria de facto que lhe sirva de fundamento, transportando para o processo os factos que, após passarem pelo crivo do direito probatório formal e material, vão permitir aplicar o direito substantivo e a correspondente decisão. O princípio assenta, pois, no prolóquio de que no processo civil se discutem maioritariamente interesses privados de onde decorre a ideia da disponibilidade da tutela jurisdicional. Esta disponibilidade vai implicar, para os sujeitos, a liberdade de decisão sobre a instauração ou não da acção, da fixação do seu objecto, das partes, bem como a sua suspensão e fim. Compulsando o CPC, o princípio manifesta-se basicamente em cinco aspectos: 1º, no pedido: a parte interessada na resolução do litígio tem de formular um pedido (artigos 264.º, n.º 1; 294.º; 295.º, n.º 1; 296.º, n.º 2; 300.º, n.º 3; 467.º, n.º 1, alínea d) e 664.º); 2º, na defesa: o réu pode ou não contestar, de acordo com a sua conveniência e se o fizer, é na contestação que concentra a sua defesa (artigo 489.º). Está também na sua disponibilidade deduzir um pedido de reconvenção contra o autor (artigo 274.º, n.º 1); 3º, quanto à matéria de facto: incumbe ao autor expor os factos que servem de fundamento à acção (artigo 467.º n.º 1 alínea c)); 4º, quanto aos meios de prova: em regra, é a parte que tem o ónus probatório pelo que deve levar aos autos os meios de prova necessários para convencer o tribunal da razão que invoca (vid., entre outros, o artigo 512.º); e, 5º, na disponibilidade do objecto do processo: em regra, as partes são livres no que respeita à desistência, confissão ou transacção (artigo 293.º).

Sofre, porém, limitações quando, exemplificadamente, se concede ao juiz o poder de realizar ou ordenar oficiosamente as diligências que considere necessárias para o apuramento da verdade, quanto aos factos que lhe é lícito conhecer (artigo 264.º, n.º 3). Essas limitações afloram igualmente no dever de as partes e os seus representantes comparecerem sempre que notificados e a prestar os esclarecimentos que, nos termos da lei, lhes forem pedidos (artigo 265.º); na iniciativa do juiz para tornar pronta a justiça (artigo 266.º); nos limites objectivos da confissão, desistência e transacção (artigo 299.º); no poder do juiz de, por sua iniciativa ou mediante sugestão de qualquer das partes, requisitar informações necessárias ao esclarecimento da verdade (artigo 535.º); no poder que assiste ao juiz de, oficiosamente, formular quesitos (artigos 572.º, n.ºs 3 e 4 e 650.º, n.º 2, alínea f)); no poder do tribunal ordenar, por sua iniciativa, a segunda perícia na determinação do valor dos bens (artigo 609.º, n.º 1); no poder do tribunal, oficiosamente, ordenar a notificação de qualquer pessoa para depor, desde que se convença que a referida pessoa tem conhecimentos de factos que interessam à decisão da causa (artigo 645.º, n.º 1).

2. O princípio do contraditório (n.º 1, 2ª parte) é uma decorrência do princípio da igualdade, consagrado no artigo 35.º da CRM, segundo o qual o tribunal deve assegurar, durante todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso dos meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais. As partes devem, pois, possuir os mesmos poderes, direitos, ónus e deveres perante o tribunal.

O direito do contraditório estipula a regra de que nenhum conflito é decidido sem que à outra parte seja dada a possibilidade de deduzir oposição. Assim, prescreve-se, como dimensão do princípio, que ele envolve a proibição da prolação de decisões surpresa, não sendo lícito aos tribunais decidir questões de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente haja sido facultada às partes a possibilidade de sobre elas se pronunciarem, e aplicando-se tal regra não apenas na 1ª instância mas também na regulamentação de diferentes aspectos atinentes à tramitação e julgamento dos recursos. Não basta ao tribunal ouvir as razões do queixoso. Terá de se conceder à parte contrária a faculdade de se defender. Trata-se de uma estrutura dialéctica, em que o impulso de uma parte confere à outra a possibilidade de realizar outro para contrariar o primeiro, exteriorizando-se no direito à audiência prévia e no direito de resposta.

O direito à audição prévia traduz para a parte, não só o direito ao conhecimento de que contra ela foi proposta uma acção ou requerida uma providência, mas ainda um direito à audição antes de ser tomada qualquer decisão. Justifica todos os cuidados de que há que revestir a citação do réu e a tipificação dos casos em que se considera que ela falta (artigo 195.º) ou é nula (artigo 198.º, n.º 1), estando subjacente à possibilidade de interposição do recurso extraordinário de revisão contra uma sentença proferida num processo em que tenha faltado a citação ou esta seja nula (artigo 771.º, alínea f)) e de oposição e anulação da execução com base nos mesmos vícios (artigos 813.º, alínea e) e 921.º, n.º 1).

Outrossim, o contraditório não pode ser exercido e o direito de resposta não pode ser efectivado se a parte não tiver conhecimento da conduta processual da contraparte. Quanto a este aspecto, vale a regra de que cumpre à secretaria notificar oficiosamente as partes quando, por virtude de disposição legal, elas possam responder a requerimentos, oferecer provas ou, de um modo geral, exercer algum direito processual que não dependa de prazo a fixar pelo juiz, nem de prévia citação (artigo 229.º, n.º 3). Concretizações desta regra constam dos artigos 156.º/A, n.º 3, 174.º, n.º 1, 229.º, n.º 2, 2ª parte, 542.º e 670.º, n.º 1.

O direito de resposta vai consistir, deste modo, na faculdade, concedida a qualquer das partes, de responder a um acto processual (articulado, requerimento, alegação ou acto probatório) da contraparte. Este direito tem expressão legal, por exemplo, no princípio da audiência contraditória das provas constante dos artigos 517.º e 526.º

3. A ressalva aberta ao princípio do contraditório (n.º 2), nomeadamente na providência contra determinada pessoa, sem ela ser previamente ouvida, tem especialmente em vista os procedimentos cautelares em que a eficácia da providência depende da rapidez ou do sigilo da decisão que a ordena (artigos 381.º/B, 394.º, 400.º, n.º 2, 404.º, n.º 1, 415.º, n.º 2, 423.º, n.º 3 e 953.º, n.º 2). Nesta linha de orientação, vid. Antunes Varela et al, Manual de Processo Civil, op. cit., p. 6; Abílio Neto, Código de Processo Civil, op. cit., p. 48 e Abdul Carimo et al, Código de Processo Civil, op. cit., p. 48.

4. A violação do contraditório inclui-se na cláusula geral sobre as nulidades processuais constante do artigo 201.º, n.º 1 de que o tribunal não conhece oficiosamente. É por esta razão que se tem ela por sanada se não for invocada pelo interessado no prazo de cinco dias, após a respectiva intervenção em algum acto praticado no processo (artigos 203.º, n.º 1, 205.º e 153.º).

Assiste ao interessado o dever de reclamar a verificação da nulidade. Estando todavia a nulidade decorrente da violação do contraditório coberta por uma decisão judicial, a respectiva arguição deverá, porém, verificar-se em sede de recurso desta mesma decisão, e caso relativamente a mesma se mostrem reunidos os necessários pressupostos recursórios (artigo 678.º). É a afirmação da velha máxima de Alberto dos Reis, segundo a qual “dos despachos recorre-se, das nulidades reclama-se” (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 1984, p. 507 e Antunes Varela, et al, Manual de Processo Civil, op. cit., p. 393).

5. Jurisprudência:

- O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que, em nenhum momento, semelhante pedido tenha sido apresentado por qualquer das partes, nos termos do art. 3.º, n.º 1 do CPC (Ac. de 21.05.2008 do RE 99/07).

- A falta do acto formal de citação da ré viola o princípio do contraditório (Ac. de 10.09.2008 da Rev. 151/07).

- O princípio do dispositivo que enforma o processo civil obriga a que o juiz se ocupe das questões suscitadas pelas partes (Ac. de 14.10.2010 da Ap. 34/10).

- O princípio do contraditório, consagrado, inter alia, nos arts. 640.º e 526.º do CPC, impõe que a parte contra quem os factos são alegados se pronuncie no âmbito do direito a uma ampla defesa (Ac. de 15.06.2011 da Ap. 165/10).

Código de Processo Civil anotado artigo 2.º

Artigo 2.º

(Garantia de acesso à justiça)

1. A protecção jurídica através dos tribunais implica o direito de, em prazo razoável, obter ou fazer executar uma decisão judicial com força de caso julgado.(*)

2. A todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde uma acção, destinada a fazê-lo reconhecer em juízo ou a realizá-lo coercivamente, bem como as providências necessárias para acautelar o efeito útil da acção.(*)


1. Vedando aos particulares o recurso à própria força para a realização dos seus direitos (artigo 1.º do CPC), o Estado obriga-se, através dos tribunais, a conceder a todo o titular do direito violado a providência necessária à reintegração efectiva desse direito.

Adequadamente, os artigos 62.º, 69.º e 70.º da CRM consagram o direito de acesso ao tribunal e o direito de acesso ao próprio direito. O direito de acesso aos tribunais implica a existência de uma protecção judicial integral e sem lacunas de todos os direitos e interesses legalmente protegidos; significa a atribuição a todos os sujeitos de direito dos meios processuais próprios que lhes permitam alcançar a tutela de toda e qualquer situação juridicamente relevante. Por seu turno, o direito de aceder ao próprio direito tem uma amplitude maior, pois abrange o direito à informação e consulta jurídica e ao patrocínio judiciário. Para além disso, surge frequentemente como pressuposto do primeiro, pois o recurso a um tribunal com a finalidade de obter dele uma decisão sobre uma questão juridicamente relevante (direito de acesso aos tribunais) pressupõe logicamente um correcto conhecimento dos direitos e deveres por parte dos seus titulares (direito de acesso ao direito). E da conjugação destes direitos, genericamente designados de acesso à justiça, resulta a sua concessão a todos os cidadãos, sem qualquer discriminação, nomeadamente por motivos económicos, de cor, raça, sexo, origem étnica, lugar de nascimento, religião, grau de instrução, posição social, estado civil dos pais, profissão ou opção política (artigo 35.º da CRM).

2. No quadro das normas emanadas do direito internacional, Moçambique aceita, observa e aplica os princípios da Carta da ONU e da Carta da União Africana, cujos preceitos são interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem e Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos (artigos 17.º, n.º 2 e 43.º da CRM).
Em conformidade, o direito de acção judicial, a garantia de acesso aos tribunais e ao próprio direito e a sujeição do processo, uma vez iniciado, ao princípio do contraditório e da igualdade de armas estão previstos nos artigos 10.º da DUDH, 7.º da CADHP, bem assim no artigo 14.º do PIDCP, sendo uma concretização do due processo of law, ou seja, da regra do devido processo legal.

3. Moçambique celebrou acordos de cooperação jurídica e judiciária com determinados Estados a fim de proporcionar igualdade de tratamento aos cidadãos nas ordens jurídicas correspectivas no acesso à justiça. Vid., a propósito, o Acordo entre Moçambique e Alemanha, ratificado pela Resolução n.º 9/82, de 7 de Julho; o Acordo entre Moçambique e Cuba, ratificado pela Resolução n.º 3/89, de 23 de Março; o Acordo entre Moçambique e Portugal, ratificado pela Resolução n.º 10/91, de 20 de Dezembro; e o Acordo de Cooperação Judiciária entre Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe ratificado pela Resolução n.º 4/89, de 23 de Março.

4. No plano ordinário, o artigo 11.º da LOJ concretiza a garantia do acesso dos cidadãos aos tribunais, e, bem assim, o direito de defesa, o direito à assistência jurídica e ao patrocínio judiciário. Ainda, neste sentido, atente-se ao EOAM, aprovado pela Lei n.º 28/2009, de 29 de Setembro, e ao EOIPAJ, aprovado pelo Decreto n.º 54/95, de 13 de Dezembro.

O artigo 12.º da LDC, aprovada pela Lei n.º 22/2009, de 28 de Setembro, assegura o direito à acção inibitória destinada a prevenir, corrigir ou fazer cessar práticas lesivas dos direitos do consumidor.

5. A tutela jurisdicional efectiva é desenvolvida, inter alia, pela norma em apreço, a qual estabelece o direito de obter num prazo razoável uma decisão de mérito (n.º 1) e determina que a todo o direito corresponde uma acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a sua violação e a realizá-lo coercivamente, quando necessário (n.º 2, 1ª parte).

O mesmo preceito prevê ainda a possibilidade de se solicitarem providências que, baseadas em critérios de celeridade e efectividade, se mostrem indispensáveis à tutela em tempo útil das situações jurídicas que possam ser aniquiladas ou esvaziadas em consequência da natural demora na composição definitiva do litígio (n.º 2, in fine). Note-se que a requerida intervenção jurisdicional tem necessariamente o seu tempo e, mesmo que sejam observados todos os prazos previstos na lei para a prática dos devidos actos processais, pode suceder que a actividade destinada ao reconhecimento da existência de um direito ou interesse demore tanto tempo que a decisão, quando proferida, já não possua qualquer efeito prático. Daí que, para eliminar os riscos inerentes à demora na obtenção de uma decisão definitiva favorável, a lei faculte ao requerente a solicitação de providências, de natureza provisória, que acautelem o direito ou interesse reclamado, maxime o efeito útil da acção.

6. No campo prático, o acesso à jurisdição nem sempre é plenamente alcançado.

Com o aumento da gama dos direitos individuais e colectivos, há proporcionalmente um incremento do recurso aos processos judiciais. A demanda por estes serviços não encontra da banda do Estado, nomeadamente no exercício da sua função jurisdicional, pronta resposta para os utentes. Resulta daqui uma justiça muitas vezes inacessível, tardia ou mesmo inoperante. E assim sendo, não se pode falar de justiça real e efectiva sem que, em prazo razoável, o tribunal declare ou faça executar uma decisão judicial com força de caso julgado.

Disse, a propósito, o jurista e político brasileiro Ruy Barbosa, Oração aos Moços, 5ª edição, editora Casa de Ruy Barbosa, Rio de Janeiro, 1999, p. 40, que “uma justiça lenta pode ser eficiente, mas jamais eficaz”. Nesta medida, não tem acesso à justiça somente aquele que não consegue fazer-se ouvir em juízo, mas também todo aquele que, pelas imperfeições do processo, recebe uma justiça tardia ou alguma injustiça de qualquer ordem. A justiça lenta é cara e diminui em grande parte a eficácia dos textos legislativos. A justiça tardia não deve assim ser apelidada de justiça, mas antes uma injustiça qualificada e manifesta.

Mauro Cappelletti e Bryant Garth, O Acesso à Justiça, Editora Fabris, Porto Alegre, 1988, descrevem os seguintes obstáculos no acesso à justiça: – o obstáculo económico, se os interessados não estiverem em condições de aceder aos tribunais por causa da sua pobreza; – o obstáculo organizatório, se a tutela de certos interesses impõe uma profunda transformação nas regras e institutos tradicionais do direito processual, sendo que a solenidade dos procedimentos é privilegiada em detrimento da solução dos litígios; e, por fim, – o obstáculo propriamente processual, quando os tipos tradicionais de processo são inadequados para algumas tarefas de tutela.

Em sentido próximo, Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997, pp. 51-66, explica que a lentidão processual encontra causas endógenas e exógenas. Como causas endógenas podem ser referidas as seguintes: a excessiva passividade, se não legal, pelo menos real, do juiz da acção; a orientação da actividade das partes, não pelos fins da tutela processual, mas por razões frequentemente dilatórias; alguns obstáculos técnicos, como os crónicos atrasos na citação do réu e a demora na proferição do despacho saneador devido às dificuldades inerentes à elaboração da especificação e do questionário. Outras causas da morosidade processual são exteriores ao próprio processo (causas exógenas): falta de resposta dos tribunais ao crescimento exponencial da litigiosidade, dada a exiguidade dos meios disponíveis; maior complexidade do direito material e crescente uso nele de conceitos indeterminados e de cláusulas gerais, cuja concretização encontra limitações na deficiente preparação técnica dos profissionais forenses. Na mesma orientação, leiam-se Cândido Dinamarco, A Reforma do Código de Processo Civil, Malheiros, São Paulo, 1995; Lebre de Freitas et al, Aspectos do Novo Processo Civil, Lex, Lisboa, 1997; Madalena Duarte, Acesso ao Direito e à Justiça, Oficina do CES, Coimbra, 2007; e Boaventura de Sousa Santos e João Carlos Trindade, Conflito e Transformação Social: Uma Paisagem das Justiças em Moçambique, Vol. I, Edições Afrontamento, Porto, 2003.

7. Uma consequência da morosidade da justiça é o recurso cada vez mais frequente às providências cautelares como forma de solucionar antecipadamente os litígios, especialmente quando elas podem antecipar a tutela definitiva ou mesmo vir a dispensá-la. Não é, contudo, essa a vocação das providências cautelares, como se verá nos comentários às disposições a elas referentes (artigos 381.º e segs. do CPC).

8. Quando concebido na perspectiva do acesso à justiça, o quadro normativo do processo civil deve orientar-se pela eliminação de obstáculos que impeçam, ou, pelo menos, dificultem, esse acesso. O poder judiciário deve aparelhar-se cadenciadamente para receber este fluxo tomando medidas que reduzam o tempo e a circulação de papéis dentro do processo. São várias as soluções habitualmente seguidas (ou tentadas) para obviar à morosidade processual. Salientam-se, entre elas, as seguintes soluções: o estabelecimento entre as fases do processo, ou mesmo no seu interior, de regras de preclusão, que obstem a que um acto omitido possa vir a ser realizado fora do seu momento legalmente fixado; o reforço do controlo do juiz sobre o processo; a concentração do processo numa audiência na qual a causa possa ser discutida e, eventualmente, decidida. Nunca é demais lembrar a máxima de Chiovenda, traduzida num verdadeiro slogan, segundo a qual “na medida em que for praticamente possível, o processo deve proporcionar, a quem tem um direito, tudo aquilo que ele tem direito de obter”. A propósito, vid. Pedro Silva Dinamarco, Ação Pública, Saraiva, São Paulo, 2001, p. 41.

9. A concessão do direito à celeridade processual deve possuir, para além de qualquer âmbito programático, um sentido preceptivo bem determinado, pelo que a parte prejudicada com a falta de decisão da causa num prazo razoável por motivos relacionados com os serviços da administração da justiça deverá ter direito a ser indemnizada pelo Estado de todos os prejuízos sofridos. Esta responsabilidade do Estado é objectiva, ou seja, é independente de qualquer negligência ou dolo do juiz da causa ou dos funcionários judiciais. Cabe assim ao legislador fixar em sede da lei do processo as consequências para o incumprimento dos prazos legais. Esta matéria é melhor desenvolvida por Marten Breuer, State Liability for Judicial Wrongs and Community Law: The Case of Gerhard Köbler v. Áustria, European Law Review, 2004; Aveiro Pereira, A Responsabilidade Civil por Actos Jurisdicionais, Coimbra Editora, Coimbra, 2001; Anne-Sophie Botella, La Responsabilité du Juge National, Revue Trimestrielle de Droite Européen, Avril-Juin, 2004 e Hermenegildo Pedro Chambal, A Denegação da Justiça como Fundamento da Responsabilidade Civil por Actos Jurisdicionais, CFJJ, Maputo, 2009.

10. O direito à acção não existe em todos os casos, pois que há direitos que não gozam de tutela do Estado. O C. Civil reporta-se, desde logo, às obrigações naturais (artigos 402.º a 404.º), às obrigações prescritas (artigo 304.º, n.º 2) e às obrigações derivadas de jogos e apostas (artigo 1245.º), sendo que não podem ser repetidas as prestações realizadas espontaneamente em cumprimento de qualquer uma destas obrigações, quando válidas, bem assim não podem ser judicialmente exigíveis.







Código de Processo Civil anotado artigo 1.º


Artigo 1.º

(Proibição da autodefesa)

A ninguém é lícito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito, salvo nos casos e dentro dos limites declarados na lei.



1. Em regra, o Estado, enquanto comunidade e enquanto poder, está sujeito ao Direito por uma necessidade lógica de coerência e de coesão social.

Se a ordem jurídica impõe e tutela o direito objectivo, representa igualmente a garantia jurídica do direito subjectivo.

O controlo da legalidade, que se traduz em assegurar a não violação da lei, pode processar-se através da tutela pública e ou da tutela privada. Enquanto a tutela pública é desempenhada primacialmente pelo Estado, através da administração pública (tutela administrativa) e dos tribunais (tutela judiciária), com o objectivo de tornar efectivas as normas jurídicas, a tutela privada também chamada justiça ou coacção privada ou ainda autotutela, mais não é do que a defesa de direitos realizada pelos particulares nas situações excepcionais legalmente previstas.

2. Com o princípio da justiça pública quer se proclamar, de forma genérica, que para que um litígio seja solucionado é imperioso que seja dirigido a um órgão do Estado revestido de jurisdição. A propensão de “monopólio de jurisdição” do Estado possui respaldo no princípio do Estado de Direito. Não são os particulares, mas o Estado, mediante órgãos próprios, quem define os seus direitos e lhes dá execução, realizando actos coercivos com o fim de prevenir ou sancionar a violação das normas. Entende-se que, se fosse de outro modo, a sociedade estaria eternamente em conflito, seja porque as partes em contenda nem sempre gozam do necessário discernimento para avaliar a razoabilidade das suas pretensões, seja porque nem sempre quem tem razão lhe assiste força suficiente para fazer afirmar os seus direitos. Este quadro levaria a um regime em que vigoraria a lei do mais forte, desconcertando a pax social.

Ainda assim, a ressalva contida na parte final do preceito aponta para os casos em que, não sendo viável ou não sendo razoavelmente exigível o recurso prévio à autoridade pública, se reconhece aos particulares a possibilidade de, pelos seus próprios meios, defenderem ou assegurarem os seus direitos. Esta consagração decorre, desde logo, de um princípio fundamental plasmado no artigo 80.º da CRM nos termos do qual ao cidadão assiste o direito de não acatar ordens ilegais ou que ofendam os seus direitos, liberdades e garantias. No geral, afigura-se lícito o recurso à força nos casos e dentro dos limites genericamente indicados no C. Civil, designadamente nos artigos 336.º (acção directa), 337.º (legítima defesa), 338.º (erro acerca dos respectivos pressupostos), 339.º (estado de necessidade) e 340.º (consentimento do ofendido), o qual, ainda, nos artigos 1277.º (defesa da posse), 1314.º (defesa da propriedade) e 1315.º (direitos reais), expressamente consagra outras tantas aplicações do mesmo princípio. Fora destas situações não é lícita a justiça privada, ou seja, não é permitida a autodefesa. Ademais, as normas que admitem a autodefesa são normas excepcionais e nesta medida não comportam interpretação analógica, embora admitam a interpretação extensiva (artigo 11.º do C. Civil). Para mais desenvolvimento, vid. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pp. 2-3; Abílio Neto, Código de Processo Civil, reimpressão, Almedina, Coimbra, 1994, p. 44; Fernanda Lopes, Código do Processo Civil, Texto Editores, Maputo, 2009, p. 41; Abdul Carimo et al, Código de Processo Civil, UTREL, Maputo, 2010, p. 47; e Tomás Timbane, Lições de Processo Civil, I, Escolar Editora, Maputo, 2010, pp. 34-36.

3. O recurso aos tribunais para tutela de relações jurídicas vai implicar necessariamente a aplicação de normas adjectivas ou instrumentais que disciplinam a tramitação, pressupostos, requisitos e actuação dos sujeitos processuais e dos próprios tribunais, com vista à efectivação jurisdicional do direito substantivo. Este conjunto de normas ou procedimentos é designado por direito processual civil.