terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Premio Cades 2011: Lei de Promoção e Protecção dos Direitos da Criança – Anotada e Comentada




No final de Novembro, o livro Lei de Promoção e Protecção dos Direitos da Criança – Anotada e Comentada escrito por Carlos Pedro Mondlane e publicado pelo Centro de Formação Jurídica e Judiciária recebeu o prémio CADES 2011 de Melhor Livro do Ano em cerimónia presidida pelo Primeiro-Ministro Aires Ali. O Centro de Formação Jurídica e Judiciária é uma instituição estatal que tem por objectivo treinar juízes nacionais, prossecutores e oficiais de justiça. CADES (Comunidade para Desenvolvimento Académico) é uma organização sem fins lucrativos dedicada a apoiar o progresso dos sectores educação, saúde, meio ambiente e áreas sociais relevantes através da promoção da ideia de responsabilidade cidadã. A pesquisa e a impressão do livro foram financiadas pelo UNICEF. Próximos passos: O autor do livro dará palestras para estudantes do Centro de Formação Jurídica e Judiciária até o fim de 2011 e a disseminação do livro em nível nacional começará em 2012.

Mozambique: Commented Children’s Act Awarded Best Book of the Year Prize
November 2011. Maputo, Mozambique. At a ceremony presided over by Prime Minister Aires Ali, the Legal and Judicial Training Center (the publisher) and Carlos Pedro Mondlane (the author) were awarded the CADES 2011 Best Book of the Year prize for the book ‘Commented version of the Children’s Act’ (Lei de Promoção e Protecção dos Direitos da Criança – Anotada e Comentada).The Legal and Judicial Training Center is a state institution that trains the country’s judges, prosecutors and judicial officers and officials. CADES (the Community for Academic Development) is a non-profit organization dedicated to supporting progress in education, health, environment and other important social areas through the promotion of responsible citizenship. The research for the book and its printing were financed by UNICEF. Next steps: Lectures by the author still in 2011 to students of the Legal and Judicial Training Center, and dissemination of the book nationwide in 2012.

O principio da universalidade na promoção e protecção dos direitos da criança

1. Segundo o artigo 35.º da Constituição da República “todos os cidadãos são iguais perante a lei, gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres, independentemente da cor, raça, sexo, origem étnica, lugar de nascimento, religião, grau de instrução, posição social, estado civil dos pais, profissão ou opção política.”

Adianta ainda a Constituição que “todas as crianças têm direito à protecção da família, da sociedade e do Estado, tendo em vista o seu desenvolvimento integral.”[1]

A Convenção Sobre os Direitos da Criança adoptou este princípio com a premissa de que toda a ordem normativa por si pugnada ser de se aplicar a todo o universo de crianças, como se infere do número 1 do artigo 2.º ao prescrever que “os Estados Partes respeitarão os direitos enunciados na presente Convenção e garantirão a sua aplicação a cada criança sujeita à sua jurisdição (…)”

De igual modo prevê o artigo 3.º da Carta Africana dos Direitos e Bem-Estar da Criança que “ toda a criança deve ter o direito de gozar plenamente todos os direitos e liberdades reconhecidos e garantidos nesta Carta (…)”

2. O primeiro princípio comum a generalidade das crianças é o da universalidade: todos quantos fazem parte da comunidade jurídica são titulares dos direitos e deveres aí consagrados; os direitos descritos têm por sujeitos todos os menores de dezoito anos pertencentes à Nação.

Na perspectiva de Jorge Miranda (IV:193) este princípio, embora incindível do da igualdade, não se confunde com ele. Todos têm os direitos e deveres – princípio da universalidade; todos têm os mesmos direitos e deveres – princípio da igualdade. O princípio da universalidade diz respeito aos destinatários das normas, o princípio da igualdade ao seu conteúdo.

Este princípio deve ser aplicado igualmente para as minorias étnicas, religiosas ou linguísticas ou pessoas de origem autóctone. Nenhuma criança pertencente a essas minorias ou sendo autóctone poderá ser privada do direito que lhe assiste, conjuntamente com os demais membros do seu grupo, e ter a sua própria vida cultural, de professar e praticar a sua própria religião ou de utilizar a sua própria língua. Neste sentido o artigo 30.º da CDC.

As normas aqui prescritas são pensadas para todas as crianças moçambicanas em Moçambique. Mas aplicam-se igualmente às crianças estrangeiras no país quanto aos direitos e deveres não reservados por Lei aos nacionais.

3. A extensão do âmbito de aplicação da presente Lei às crianças estrangeiras é corolário do princípio da equiparação. Entende-se hodiernamente que os estrangeiros devem ter uma condição jurídica compatível com a dignidade da pessoa humana, que devem ser tratados como homens e mulheres livres e usufruir, por conseguinte, dos direitos que aí decorrem (artigo 14.º do CC).

É no domínio deste princípio que assiste às crianças estrangeiras o direito de não serem expulsas de um Estado que não o seu, a não ser em cumprimento de uma decisão tomada segundo ditames legais. Mesmo assim, as referidas crianças deverão ter a possibilidade de fazer valer as razoes que militam contra a sua expulsão e de fazer examinar o seu caso pelas autoridades nacionais competentes (artigo 13.º do PIDCP)

4. Relativamente aos refugiados, como categoria de estrangeiros, estabelece o nº 2 do artigo 20.º da Constituição da República que “A República de Moçambique concede asilo aos estrangeiros perseguidos em razão da sua luta pela libertação nacional, pela democracia, pela paz e pela defesa dos direitos humanos.”

Esta disposição é corolário do número 3 do artigo 12.º da CADHP que estatui o direito universal que qualquer pessoa tem, em caso de perseguição, de procurar e de receber asilo em território estrangeiro

E por este motivo que os artigos 22.º da CDC e 23.º da CADC concitam os Estados partes das citadas convenções, no que às crianças refugiadas diz respeito, a proteger e assisti-las nos seus direitos.

Foi ainda com base nestes princípios inspiradores que Moçambique adoptou a Lei n.º 21/91, de 31 de Dezembro que passou a fixar o regime jurídico dos refugiados no seguimento de outros tratados internacionais de que o Estado é parte especificamente sobre a matéria[2].
Os refugiados resultam, assim, muitas vezes, de convulsões socio-políticas e económicas nos países de origem. Vêem-se obrigados a procurar outras paragens onde podem seguir o curso da vida dentro da normalidade possível. As crianças são as principais vítimas deste desterro porquanto seguidoras sem voz dos seus guias. Estes mantêm muitas vezes as suas cidadanias e laços fortes com seus países de origem e porque tem fixação conjuntural requerem, sobretudo, intervenção de reintegração social ou socio-cultural.

O refugiado, em princípio, goza dos direitos e tem os deveres próprios dos estrangeiros em Moçambique, cumprindo-lhe, fundamentalmente, respeitar e observar a legislação em vigor no país, incluindo quaisquer instruções relativas à manutenção da ordem pública.

O refugiado beneficiará de quaisquer direitos não aplicáveis aos estrangeiros em geral e decorrentes da Convenção das Nações Unidas, de 28 de Julho de 1951, do seu Protocolo Adicional, de 31 de Janeiro de 1967 e da Convenção de O.U.A., de 10 de Setembro de 1969, salvaguardadas as reservas formuladas pela República de Moçambique. E não é de desdenhar que no país de acolhimento, as crianças, particularmente, sejam objecto de direitos e deveres civilmente permitidos no mesmo sentido que as nacionais. Pretende-se não estabelecer uma homogeneização ou equiparação plena dos direitos e deveres relativamente aos cidadãos do Estado; procura-se apenas promover um tratamento razoável dos não nacionais como pessoas, à luz da consciência ética universal ou dominante no que de básico há dos Direitos Humanos.

Deve assim o Estado adoptar todas as medidas adequadas e garantir que a criança que obtenha o estatuto de refugiada ou como tal seja considerada em conformidade com o direito e regras internacionais ou nacionais, estando só ou acompanhada por seus pais, seus guardiães legais ou parentes próximos, receba a protecção e a assistência humanitária apropriadas para que possa desfrutar de todos os direitos não exclusivos dos nacionais.

A ideia da universalidade de direitos faz depreender que o âmbito de aplicação da presente Lei, derivada da nova ordem normativa, é para toda a infância, não para uma parte. Com ela se recupera a “universalidade” da categoria de criança.

[1] Vide o número 1 do artigo 121.º
[2] A adopção desta Lei resulta da necessidade de consagrar sobre a matéria vários instrumentos do Direito internacional na ordem jurídica interna. Moçambique aderiu em 22 de Outubro de 1983 à Convenção Relativa ao Estatuto, de 28 de Julho de 1951, formulando, na altura, as suas reservas, nos termos do artigo 42 da referida Convenção. Ainda pelas Resoluções nº. 11/88 e 12/88, de 25 de Agosto, ratificou a Convenção da Organização da Unidade Africana, relativa a aspectos específicos dos problemas dos refugiados em África, de 10 de Setembro de 1969 e o Protocolo Adicional à Convenção de Genebra sobre o Estatuto do Refugiado, de 31 de Janeiro de 1967.