quarta-feira, 1 de maio de 2013

Código de Processo Civil anotado Artigo 7.º


Artigo 7.º

(Personalidade judiciária das sucursais)

1. As sucursais, agências, filiais, delegações ou representações podem demandar ou ser demandadas quando a acção proceda de facto por elas praticado.(*)

2. Se a administração principal tiver sede ou domicílio em país estrangeiro, as sucursais, agências, filiais, delegações ou representações estabelecidas em Moçambique podem demandar e ser demandadas, ainda que a acção derive de facto praticado por aquela, quando a obrigação tenha sido contraída com um moçambicano ou com um estrangeiro domiciliado em Moçambique.(*)

1. O princípio é que as sucursais, agências, filiais, delegações ou representações da pessoa colectiva ou sociedade, como meros órgãos de administração local que são, dentro da estrutura da sociedade ou pessoa colectiva, não gozam de personalidade jurídica. Não constituem sujeitos autónomos de direitos e obrigações. No entanto, assente no critério da afectação do acto, é-lhes reconhecida personalidade judiciária relativamente a actos que por elas tenham sido praticados. Por outras palavras quer dizer: quem praticou o acto pode igualmente estar em juízo quanto à acção que o tenha por objecto ou fundamento.

2. É assertivo Antunes Varela et al, Manual de Processo Civil, op. cit., p. 112, quando expende que “se a acção nascer de facto praticado pela sucursal nada impede, entretanto, que a sociedade ou a pessoa colectiva tome a iniciativa de ser ela, através da sua administração principal, a propor a acção, visto ser a sociedade ou a pessoa colectiva o verdadeiro sujeito da relação jurídica. Porém, se a acção for proposta contra a sucursal, por nascer de facto por ela praticado, já a sociedade ou pessoa colectiva não poderá arguir, na defesa, a falta de personalidade judiciária da demandada, conquanto também nada impeça que a esta se substitua daí em diante. Ter a sucursal ou a agência personalidade judiciária significa apenas, por conseguinte, ter ela poder de representar em juízo a sociedade ou a pessoa colectiva, por força da lei, enquanto a sociedade ou pessoa colectiva se lhe não substituir na acção”. No mesmo sentido, vid. Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, op. cit., pp. 136-139 e Tomás Timbane, Lições de Processo Civil, op. cit., pp. 200-201.

3. As missões diplomáticas permanentes, nomeadamente as embaixadas, detêm funções de representação de um Estado estrangeiro acreditado noutro país, muito embora não sejam dotadas de autonomia jurídica em relação ao estado acreditado, pelo que se traduzem em entidades representativas do respectivo Estado soberano, pelo menos para os efeitos do dispositivo anotando.

De acordo com um princípio basilar do direito internacional público consuetudinário, os Estados soberanos gozam, nas suas relações recíprocas, de imunidade de jurisdição. A doutrina estrangeira tem vindo a acolher a tese da imunidade restrita, fazendo a distinção entre actos de jus imperii e actos de jus gestionis, de forma a confinar a imunidade de jurisdição àqueles actos, para o que importa traçar a linha de diferenciação entre actos de império e actos de gestão. Entende-se que o domínio da imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros não abrange os actos por eles praticados tal como o poderiam ter sido por um particular, mas apenas os que manifestam a sua soberania. Assim é que, por exemplo, um contrato de prestação de serviços, de trabalho ou de outra natureza que, embora visando a prossecução de um interesse público do respectivo Estado, não é celebrado no âmbito das suas prerrogativas soberanas, mas tão só no âmbito da sua capacidade civil, cai no âmbito de actividade de gestão privada, pelo que os litígios deles emergentes não se inscrevem no âmbito da imunidade do Estado (Castro Mendes, Direito Processual Civil, Vol. II, AAFDL, Lisboa, 1987, pp. 31 e segs. e Isabelle Pingel-Lenuzza, Les Immunités des États en Droit International, Editions Bruylant, Bruxelles, 1997, pp. 355-356).

A reforçar este entendimento, convém citar o artigo 31.º, alínea c) da Convenção de Viena sobre as Relações Diplomáticas, ratificada por Moçambique pela Resolução n.º 4/81, de 2 de Setembro, que, reflectindo, de algum modo, normas costumeiras do direito internacional público, ressalva da imunidade de jurisdição civil, quanto aos agentes diplomáticos, as acções referentes a qualquer actividade profissional ou comercial exercida pelo agente diplomático no Estado acreditado fora das suas funções oficiais. Em sentido semelhante, vid. Secção 18.º, alínea a) da Convenção das Nações Unidas sobre Privilégios e Imunidades, ratificada pela Resolução n.º 21/2000, de 19 de Setembro; Secção 22.º da Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Agências Especializadas das Nações Unidas, ratificada pela Resolução n.º 29/2011, de 22 de Junho; artigos 5.º, n.º 4, 6.º, n.º 4 e 7.º, n.º 2, todos da Convenção Geral sobre Privilégios e Imunidades da União Africana, ratificada pela Resolução n.º 16/2003, de 20 de Maio; artigo 4.º do Protocolo Adicional à Convenção Geral da União Africana sobre Privilégios e Imunidades, ratificado pela Resolução n.º 17/2003, de 20 de Maio; artigos 7.º, n.º 4, 8.º, n.º 4 e 9.º, n.º 2, todos do Protocolo Relativo aos Privilégios e Imunidades da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos, no âmbito da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, ratificado pela Resolução n.º 38/2008, de 15 de Outubro; e artigo 15.º do Acordo sobre Privilégios e Imunidades da Agência Internacional da Energia Atómica, ratificado pela Resolução n.º 27/2011, de 13 de Junho.

3. Jurisprudência:

- Tendo em conta que a presente acção deriva de um contrato de prestação de serviços celebrado entre o Programa Mundial da Alimentação e um particular, não obstante a adesão de Moçambique à Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas e à Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, mostra-se destituída de qualquer fundamento legal a alegada imunidade de jurisdição invocada pelo recorrido e a requerida intervenção do Ministério dos Negócios Estrangeiros (Ac. de 19.06.2008 do Ag. 62/06).

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