quinta-feira, 25 de abril de 2013

Código de Processo Civil anotado artigo 1.º


Artigo 1.º

(Proibição da autodefesa)

A ninguém é lícito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar o próprio direito, salvo nos casos e dentro dos limites declarados na lei.



1. Em regra, o Estado, enquanto comunidade e enquanto poder, está sujeito ao Direito por uma necessidade lógica de coerência e de coesão social.

Se a ordem jurídica impõe e tutela o direito objectivo, representa igualmente a garantia jurídica do direito subjectivo.

O controlo da legalidade, que se traduz em assegurar a não violação da lei, pode processar-se através da tutela pública e ou da tutela privada. Enquanto a tutela pública é desempenhada primacialmente pelo Estado, através da administração pública (tutela administrativa) e dos tribunais (tutela judiciária), com o objectivo de tornar efectivas as normas jurídicas, a tutela privada também chamada justiça ou coacção privada ou ainda autotutela, mais não é do que a defesa de direitos realizada pelos particulares nas situações excepcionais legalmente previstas.

2. Com o princípio da justiça pública quer se proclamar, de forma genérica, que para que um litígio seja solucionado é imperioso que seja dirigido a um órgão do Estado revestido de jurisdição. A propensão de “monopólio de jurisdição” do Estado possui respaldo no princípio do Estado de Direito. Não são os particulares, mas o Estado, mediante órgãos próprios, quem define os seus direitos e lhes dá execução, realizando actos coercivos com o fim de prevenir ou sancionar a violação das normas. Entende-se que, se fosse de outro modo, a sociedade estaria eternamente em conflito, seja porque as partes em contenda nem sempre gozam do necessário discernimento para avaliar a razoabilidade das suas pretensões, seja porque nem sempre quem tem razão lhe assiste força suficiente para fazer afirmar os seus direitos. Este quadro levaria a um regime em que vigoraria a lei do mais forte, desconcertando a pax social.

Ainda assim, a ressalva contida na parte final do preceito aponta para os casos em que, não sendo viável ou não sendo razoavelmente exigível o recurso prévio à autoridade pública, se reconhece aos particulares a possibilidade de, pelos seus próprios meios, defenderem ou assegurarem os seus direitos. Esta consagração decorre, desde logo, de um princípio fundamental plasmado no artigo 80.º da CRM nos termos do qual ao cidadão assiste o direito de não acatar ordens ilegais ou que ofendam os seus direitos, liberdades e garantias. No geral, afigura-se lícito o recurso à força nos casos e dentro dos limites genericamente indicados no C. Civil, designadamente nos artigos 336.º (acção directa), 337.º (legítima defesa), 338.º (erro acerca dos respectivos pressupostos), 339.º (estado de necessidade) e 340.º (consentimento do ofendido), o qual, ainda, nos artigos 1277.º (defesa da posse), 1314.º (defesa da propriedade) e 1315.º (direitos reais), expressamente consagra outras tantas aplicações do mesmo princípio. Fora destas situações não é lícita a justiça privada, ou seja, não é permitida a autodefesa. Ademais, as normas que admitem a autodefesa são normas excepcionais e nesta medida não comportam interpretação analógica, embora admitam a interpretação extensiva (artigo 11.º do C. Civil). Para mais desenvolvimento, vid. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pp. 2-3; Abílio Neto, Código de Processo Civil, reimpressão, Almedina, Coimbra, 1994, p. 44; Fernanda Lopes, Código do Processo Civil, Texto Editores, Maputo, 2009, p. 41; Abdul Carimo et al, Código de Processo Civil, UTREL, Maputo, 2010, p. 47; e Tomás Timbane, Lições de Processo Civil, I, Escolar Editora, Maputo, 2010, pp. 34-36.

3. O recurso aos tribunais para tutela de relações jurídicas vai implicar necessariamente a aplicação de normas adjectivas ou instrumentais que disciplinam a tramitação, pressupostos, requisitos e actuação dos sujeitos processuais e dos próprios tribunais, com vista à efectivação jurisdicional do direito substantivo. Este conjunto de normas ou procedimentos é designado por direito processual civil.


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