quinta-feira, 25 de abril de 2013

Código de Processo Civil anotado artigo 3.º


Artigo 3.º

(Necessidade do pedido e da contradição)

1. O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.

2. Só nos casos excepcionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.



1. A regra do n.º 1, 1ª parte, consagra o princípio da inércia da jurisdição, segundo o qual o juiz não pode instaurar o processo por sua própria iniciativa. Também chamado de princípio da iniciativa de parte ou princípio dispositivo, faz depender da provocação do interessado o nascimento do processo.

Com efeito, o princípio determina que é o particular a ter o ónus da iniciativa processual, a conformar o objecto do processo através da formulação do pedido concreto que se pretende ver apreciado, alegando a matéria de facto que lhe sirva de fundamento, transportando para o processo os factos que, após passarem pelo crivo do direito probatório formal e material, vão permitir aplicar o direito substantivo e a correspondente decisão. O princípio assenta, pois, no prolóquio de que no processo civil se discutem maioritariamente interesses privados de onde decorre a ideia da disponibilidade da tutela jurisdicional. Esta disponibilidade vai implicar, para os sujeitos, a liberdade de decisão sobre a instauração ou não da acção, da fixação do seu objecto, das partes, bem como a sua suspensão e fim. Compulsando o CPC, o princípio manifesta-se basicamente em cinco aspectos: 1º, no pedido: a parte interessada na resolução do litígio tem de formular um pedido (artigos 264.º, n.º 1; 294.º; 295.º, n.º 1; 296.º, n.º 2; 300.º, n.º 3; 467.º, n.º 1, alínea d) e 664.º); 2º, na defesa: o réu pode ou não contestar, de acordo com a sua conveniência e se o fizer, é na contestação que concentra a sua defesa (artigo 489.º). Está também na sua disponibilidade deduzir um pedido de reconvenção contra o autor (artigo 274.º, n.º 1); 3º, quanto à matéria de facto: incumbe ao autor expor os factos que servem de fundamento à acção (artigo 467.º n.º 1 alínea c)); 4º, quanto aos meios de prova: em regra, é a parte que tem o ónus probatório pelo que deve levar aos autos os meios de prova necessários para convencer o tribunal da razão que invoca (vid., entre outros, o artigo 512.º); e, 5º, na disponibilidade do objecto do processo: em regra, as partes são livres no que respeita à desistência, confissão ou transacção (artigo 293.º).

Sofre, porém, limitações quando, exemplificadamente, se concede ao juiz o poder de realizar ou ordenar oficiosamente as diligências que considere necessárias para o apuramento da verdade, quanto aos factos que lhe é lícito conhecer (artigo 264.º, n.º 3). Essas limitações afloram igualmente no dever de as partes e os seus representantes comparecerem sempre que notificados e a prestar os esclarecimentos que, nos termos da lei, lhes forem pedidos (artigo 265.º); na iniciativa do juiz para tornar pronta a justiça (artigo 266.º); nos limites objectivos da confissão, desistência e transacção (artigo 299.º); no poder do juiz de, por sua iniciativa ou mediante sugestão de qualquer das partes, requisitar informações necessárias ao esclarecimento da verdade (artigo 535.º); no poder que assiste ao juiz de, oficiosamente, formular quesitos (artigos 572.º, n.ºs 3 e 4 e 650.º, n.º 2, alínea f)); no poder do tribunal ordenar, por sua iniciativa, a segunda perícia na determinação do valor dos bens (artigo 609.º, n.º 1); no poder do tribunal, oficiosamente, ordenar a notificação de qualquer pessoa para depor, desde que se convença que a referida pessoa tem conhecimentos de factos que interessam à decisão da causa (artigo 645.º, n.º 1).

2. O princípio do contraditório (n.º 1, 2ª parte) é uma decorrência do princípio da igualdade, consagrado no artigo 35.º da CRM, segundo o qual o tribunal deve assegurar, durante todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso dos meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais. As partes devem, pois, possuir os mesmos poderes, direitos, ónus e deveres perante o tribunal.

O direito do contraditório estipula a regra de que nenhum conflito é decidido sem que à outra parte seja dada a possibilidade de deduzir oposição. Assim, prescreve-se, como dimensão do princípio, que ele envolve a proibição da prolação de decisões surpresa, não sendo lícito aos tribunais decidir questões de facto ou de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que previamente haja sido facultada às partes a possibilidade de sobre elas se pronunciarem, e aplicando-se tal regra não apenas na 1ª instância mas também na regulamentação de diferentes aspectos atinentes à tramitação e julgamento dos recursos. Não basta ao tribunal ouvir as razões do queixoso. Terá de se conceder à parte contrária a faculdade de se defender. Trata-se de uma estrutura dialéctica, em que o impulso de uma parte confere à outra a possibilidade de realizar outro para contrariar o primeiro, exteriorizando-se no direito à audiência prévia e no direito de resposta.

O direito à audição prévia traduz para a parte, não só o direito ao conhecimento de que contra ela foi proposta uma acção ou requerida uma providência, mas ainda um direito à audição antes de ser tomada qualquer decisão. Justifica todos os cuidados de que há que revestir a citação do réu e a tipificação dos casos em que se considera que ela falta (artigo 195.º) ou é nula (artigo 198.º, n.º 1), estando subjacente à possibilidade de interposição do recurso extraordinário de revisão contra uma sentença proferida num processo em que tenha faltado a citação ou esta seja nula (artigo 771.º, alínea f)) e de oposição e anulação da execução com base nos mesmos vícios (artigos 813.º, alínea e) e 921.º, n.º 1).

Outrossim, o contraditório não pode ser exercido e o direito de resposta não pode ser efectivado se a parte não tiver conhecimento da conduta processual da contraparte. Quanto a este aspecto, vale a regra de que cumpre à secretaria notificar oficiosamente as partes quando, por virtude de disposição legal, elas possam responder a requerimentos, oferecer provas ou, de um modo geral, exercer algum direito processual que não dependa de prazo a fixar pelo juiz, nem de prévia citação (artigo 229.º, n.º 3). Concretizações desta regra constam dos artigos 156.º/A, n.º 3, 174.º, n.º 1, 229.º, n.º 2, 2ª parte, 542.º e 670.º, n.º 1.

O direito de resposta vai consistir, deste modo, na faculdade, concedida a qualquer das partes, de responder a um acto processual (articulado, requerimento, alegação ou acto probatório) da contraparte. Este direito tem expressão legal, por exemplo, no princípio da audiência contraditória das provas constante dos artigos 517.º e 526.º

3. A ressalva aberta ao princípio do contraditório (n.º 2), nomeadamente na providência contra determinada pessoa, sem ela ser previamente ouvida, tem especialmente em vista os procedimentos cautelares em que a eficácia da providência depende da rapidez ou do sigilo da decisão que a ordena (artigos 381.º/B, 394.º, 400.º, n.º 2, 404.º, n.º 1, 415.º, n.º 2, 423.º, n.º 3 e 953.º, n.º 2). Nesta linha de orientação, vid. Antunes Varela et al, Manual de Processo Civil, op. cit., p. 6; Abílio Neto, Código de Processo Civil, op. cit., p. 48 e Abdul Carimo et al, Código de Processo Civil, op. cit., p. 48.

4. A violação do contraditório inclui-se na cláusula geral sobre as nulidades processuais constante do artigo 201.º, n.º 1 de que o tribunal não conhece oficiosamente. É por esta razão que se tem ela por sanada se não for invocada pelo interessado no prazo de cinco dias, após a respectiva intervenção em algum acto praticado no processo (artigos 203.º, n.º 1, 205.º e 153.º).

Assiste ao interessado o dever de reclamar a verificação da nulidade. Estando todavia a nulidade decorrente da violação do contraditório coberta por uma decisão judicial, a respectiva arguição deverá, porém, verificar-se em sede de recurso desta mesma decisão, e caso relativamente a mesma se mostrem reunidos os necessários pressupostos recursórios (artigo 678.º). É a afirmação da velha máxima de Alberto dos Reis, segundo a qual “dos despachos recorre-se, das nulidades reclama-se” (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 1984, p. 507 e Antunes Varela, et al, Manual de Processo Civil, op. cit., p. 393).

5. Jurisprudência:

- O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que, em nenhum momento, semelhante pedido tenha sido apresentado por qualquer das partes, nos termos do art. 3.º, n.º 1 do CPC (Ac. de 21.05.2008 do RE 99/07).

- A falta do acto formal de citação da ré viola o princípio do contraditório (Ac. de 10.09.2008 da Rev. 151/07).

- O princípio do dispositivo que enforma o processo civil obriga a que o juiz se ocupe das questões suscitadas pelas partes (Ac. de 14.10.2010 da Ap. 34/10).

- O princípio do contraditório, consagrado, inter alia, nos arts. 640.º e 526.º do CPC, impõe que a parte contra quem os factos são alegados se pronuncie no âmbito do direito a uma ampla defesa (Ac. de 15.06.2011 da Ap. 165/10).

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